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quarta-feira, 16 de maio de 2012

VO-CA-ÇÃO?

Ela chegou aqui com sua habitual revista da Natura.
Sentou-se na minha frente, e então eu vi uma tristeza tão grande em seus olhos.
Perguntei o que tinha acontecido.
Sem aviso prévio, ela começou a chorar copiosamente.
Vi escorrer de seus olhos lágrimas pesadas, muito pesadas, o mundo todo cabia nelas.
Seu corpo era sacudido por soluços incontroláveis.
Corri e fechei a porta da minha sala, e a abracei.
"O que ouve?"
"Não aguento mais, Fátima. Não aguento mais!"
"O que aconteceu?"
Ela tirou da bolsa um papel, e tremendo entregou-me.
"O que é isso, Gena?"
"Eles negaram o meu pedido!
Eu não aguento mais a sala de aula, não aguento!
Não consigo mais dormir, não tenho condições de voltar..."
Nunca pensei em ouvir isso dela.
Gena amava dar aula. Contava-me as suas experiências com brilho nos olhos.
Adorava ver seus alunos grandes, formados, e reconhecia todos. Sabia seus nomes. Conhecia suas histórias.
Vinte anos numa sala de aula ensinando a ler e escrever.
Vinte anos!
"Pedi pra que ele se comportasse. Pedi uma vez, duas, três, dez... Não teve jeito.
Quando eu me virava para escrever, ele se levantava, dançava, perturbava os outros.
Fazia careta, falava alto.
Fiz de tudo. Conversei, pedi, implorei.
Nada adiantou.
Abandonei a sala de aula e corri para o refeitório.
Pedi a merendeira que tirasse ele da minha sala de aula porque eu tive vontade de mata-lo.
Eu tive vontade de matar uma criança!
Ele tem sete anos!!!!"
E voltou a chorar pesado.
"Gena, pelo amor de Deus, não faça isso com você! Respeite a sua humanidade!
Você teve vontade, mas não o fez!
Fique calma!
Vá falar com a defensora pública, entre na justiça, mas você não está em condições de entrar agora numa sala de aula.
E aceite que talvez nunca mais tenha condições.
Respeite suas limitações.
Tudo vai se resolver..."
E então compreendi que ser professor no nosso país, principalmente do ensino básico, não é para pessoas normais.
Pessoas normais não suportam tanto desrespeito, tanto descaso, tanto menosprezo.
Professores são educadores, mas não suprem o papel dos pais.
Professores matam a fome de informação, mas não a fome de comida.
Professores dão suporte à cidadania, mas não substituem o exemplo da família.
Professores também comem, também tem problemas, também são humanos.
Ou não?
Mal remunerados, mal tratados, mal amados.
E ainda sentem-se culpados quando não suportam mais, quando chegam ao seu limite - pra lá de elástico - da exaustão.
E nós ainda batemos no peito e gritamos que pra ser professor tem que ter amor ao ensino e vocação. VO-CA-ÇÃO!
Claro.
Como para tudo o mais, ou não?
Mas precisamos definir direito o que é vocação, viu?
Pergunte-se! O que você aí sentadinho acha que é vocação?
heim? heim? heim?
Vamos olhar para nossos educadores com mais carinho e respeito!
URGENTEMENTE.

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