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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O MÉDICO E O MONSTRO.


Estava aqui pensando com meus botões...
A vida tem cada piada de mal gosto!!!!!!

Ele é um dos homens com o coração maior que conheço.
Bom! Verdadeiramente bom.
Nunca teve muitos bens, apesar de ser médico e ter épocas de ganhar muito dinheiro.
Mas sempre dividiu.
Sempre ajudou.
Nunca foi vaidoso, nunca foi soberbo.
Na casa dele sempre tinha lugar pra mais um.
Sempre tinha a possibilidade de mais um prato a mesa, mais um colchão no chão, mais um presente na árvore de Natal.
Tudo sempre foi pra todos e não só para o seu conforto pessoal, e os sacrifícios que fez nem foram dolorosos, pois a sua personalidade era de amor.
Fez porque amava. Então não eram sacrifícios, eram apenas atitudes.
Quantas vezes ele acordou duas horas da manhã para abrir a porta pra mim? Inúmeras!
Nunca fez cara feia, nunca reclamou.
Eu era jovem e era natural que me divertisse, assim deveria pensar ele.
Nunca foi hipócrita, nunca fez pose de santo, e isso o fazia ainda mais especial.
Ele nem se achava bom, não conseguia perceber o grande exemplo de força e de caráter que me transmitia.
Era como se a sua vida fosse feita para servir.
Ele só dormia realmente quando todos estavam em casa, sob seu teto, sob seus cuidados.
Tinha defeitos, claro! Afinal ele é humano....
Ele era briguento.
Sempre foi!
Explosivo também.
Mas suas explosões eram curtas.
Seus rompantes rápidos.
Totalmente contornáveis.
Ninguém tinha raiva, pois todos sabiam do seu grande coração, e sua bondade era tão gigantesca que possuía créditos pra muitas malcriações.

Hoje ele está doente.
Infelizmente sua doença traz para a superfície o seu pior.
Não é o esquecimento que desestabiliza as pessoas a sua volta, mas o ódio por tudo e por todos que vemos em seus olhos.
Uma raiva incontrolável.
Uma agressividade tão gigantesca quanto era sua bondade.
Os palavrões que ele eventualmente falava no passado viraram seu único vocabulário.
A esposa fiel, amiga, companheira de uma vida inteira virou puta, quenga, vagabunda.
Seus genros viraram cornos.
O mundo é uma bosta.
As pessoas são filhas da puta.
Todas safadas.
Nada presta.
Ele tem vontade de esmurrar o vento. De quebrar a casa.
De fazer tudo e todos desaparecerem.
Às vezes eu vejo, no fundo de seus olhos, a tristeza do bom homem, aprisionado num corpo doente, refém de uma raiva desgovernada.
Sinto o esforço que ele faz pra controlar a ira.
Em vão.
Literalmente ele vive o drama do médico e do monstro.
Sem antídoto.
Sem cura.
Sem solução.

Não sei nem o que sentir diante disto.
Uma tristeza ao ver a impotência do ser humano.
Uma imensa saudade dele quando doce, bom, amigo....
Um vazio.
Do que ele foi só vemos flashes rápidos.
O resto resgatamos da nossa memória quando relembramos todo amor e compaixão vividos num tempo que parece cada vez mais distante.

É.... a vida, as vezes, é uma piada de mal gosto.
Sem saber, Stevenson descreveu o mal de Alzheimer.

4 comentários:

  1. Nossa, nem gosto de pensar. Estou com amigo nessas condições. ele foi quase um pai para mim, um espécie de irmão mais velho quando me mudei para a cidade onde morava. Hoje, precisa de cuidados que acho terríveis, como ter que ser amarrado para se alimentar , por exemplo, a fim de não agredir as enfermeiras. Não reconhece mais a filha nem a esposa. Uma vida vegetativa, triste, muito triste. Abraços. paz e bem.

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  2. POIS É FATINHA...FICO PENSANDO NESSA DOENÇA E TENTANDO ENTENDER, DENTRO DOS CONHECIMENTOS QUE TENHO...O QUE LEVA UMA PESSOA ESQUECER DE TUDO...POR QUE ESSA FÚRIA INCONTROLÁVEL????...PORQUE AUSENTAR-SE DE SI MESMA...

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  3. Muito triste, Cláudio. Toda doença é um horror e normalmente traz muitos sofrimentos. Esta é péssima.... tira a dignidade do doente, tira as lembranças.... tira a pessoa da pessoa. Paz e Bem também.

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  4. Liz, não sei se um dia iremos conseguir responder a estas perguntas... mas hoje eu acredito que a única coisa que não muda é este AMOR que nos criou e do qual somos parte. Não sei o que os anos futuros me trarão (nos trarão), mas sei que sou (somos) muito mais do que qualquer coisa que possa me (possamos nos) tornar.

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