O Reino Encantado continua o mesmo.
Lá fora uma banda ensaia marchinhas de carnaval.
O trompete escorrega, desafina, as notas sofrem pra se arrumarem.
Recomeça tudo novamente, e passo a tarde a ouvir, não sei de onde, o mesmo frevo.
Imagino se algum dia o que ouço conseguirá ressonar em algum clube para que as crianças fantasiadas possam brincar no salão.
Sim, é verdade... o tempo correu depressa.
Mais um carnaval!
E, ao contrário de todos os anos que passei, não estou com vontade de brincar.
Não pensei, nem por um momento, em abrir o saco onde vejo fada, bruxa, palhaça, vaca, perucas e máscaras saltarem em completa euforia.
Continuam adormecidos os adornos coloridos dos meus carnavais passados.
Não é tristeza, nem melancolia.
É alguma coisa tranquila, calma, com um certo toque de paz, que me impede de frevar.
Enfim, algo estranho tem acontecido.
É como se o efeito anestesiante das tesouras, das locomotivas, dos ferrolhos, dançados nos paralelepípedos irregulares da minha cidade, não conseguisse me atrair.
Pelo menos não este ano. Pelo menos não neste carnaval.
Preciso de mais tempo. Um ano foi pouco.
Este ano, diferente de quase todos os anos de minha vida, vou à praia....
Levo comigo alguns livros, alguns amigos, e muito protetor solar.
Este ano terei conversas animadas, comendo camarões e olhando o mar.
E que venha a quarta-feira ingrata, com preguiça e enfado ao sabor da maresia.
O mundo tem se tornado consumista demais.
Talvez o meu carnaval tenha se acabado, e eu não tenha percebido. O que sobraram foram blocos profanos onde meninas quase adolescente desfilam estampando no peito: "nós também temos cu".
Fico imaginando que faço a mesma cara de minha avó fazia anos atrás. Espantada, escandalizada, estupefata.
O que significa ter cu?
A solidão é tão apavorante que faz-se necessário a negação da vagina?
Agora não se escolhe mais um parceiro pelas afinidades do sentimento?
As meninas, afinal de contas, podem "concorrer" com os homossexuais de igual, como se tudo estivesse resumido ao ato sexual.
Será que não percebem que a solidão é parte integrante do fato de sermos humanos, com o lóbulo frontal que assim nos faz questionar o futuro e o passado, e que estes questionamentos são nossos, e apenas nossos?
Algum santo já disse, não me recordo qual, que no fundo tudo é só entre você e Deus.
A solidão da falta de propósito, de respeito, de amor, de integridade, é muito mais cruel e nefasta do que a idéia da solitude.
Temos cu, mas deveríamos ter também consciencia do que significa ter cu.
Então, vou à praia este ano.
E, para não esquecer que minha alma é de foliã, fico aqui a escutar as notas se arrumando...
Fon fon fon Colombina.
Fon fon fon Pierrô.
Crônicas do dia-a-dia e alguns pensamentos. A vida cotidiana tem muitas histórias que merecem ser contadas.
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